Inteligências múltiplas para um desenvolvimento pleno
Escrito por Fábio Torres- Detalhes
- Publicado em 28 Maio 2013
By Galileoh getyourpaydaytoday.co.uk
Escola e família são as principais responsáveis pelo desenvolvimento pleno de uma criança. É nesses dois ambientes que os pequenos podem – e devem – desenvolver diversas características, tais como o hábito de ler, escrever, resolver contas matemáticas, discernir emoções, escolher o que é certo e o que é errado. Essas ações compreendem o que é conhecido como inteligências múltiplas, um dos objetos de estudo de Luis Fernando Vilchez Martin, professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Complutense de Madrid (UCM).
Nessa entrevista exclusiva, concedida em novembro de 2012, quando Martin esteve em Curitiba (PR) para o Simpósio Internacional de Neurociências do Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe, o pesquisador espanhol fala sobre a importância do desenvolvimento das inteligências múltiplas, como estimular uma faceta da criança pode ajudá-la a evoluir em outros aspectos e também sobre como as novas tecnologias podem e devem ser utilizadas para que as crianças cresçam de maneira plena e saudável. Confira a seguir as opiniões de Martin.
Gestão Educacional: Qual é a importância das inteligências múltiplas na formação de um indivíduo?
Luis Fernando Vilchez Martin: Antigamente, falava-se somente em uma única inteligência. As pessoas eram muito inteligentes, mais ou menos inteligentes ou nada inteligentes. Posteriormente, começou a se falar de várias inteligências – pelo menos três: a linguística, a espacial e a matemática. Com apoio de nossas investigações neurológicas, educativas e psicológicas, já se acredita que existem várias inteligências – sete ou oito delas, cada uma com singularidade própria. Cada qual atua de maneira determinada, mas também atuam em conjunto. Se aplicarmos isso na educação, creio que aqui temos uma oportunidade de trabalhar a escola não somente com uma inteligência, mas com todas. Normalmente, a escola tradicional, em todos os países, tem trabalhado muito bem a inteligência que podemos chamar puramente de inteligência cognitiva (que compreende a inteligência linguística, a espacial, a matemática e a abstrata), mas esquece da inteligência social ou da emocional. Se por acaso um aluno fosse uma boa pessoa, não se trabalhava especificamente para isso. Esse não é somente um fardo, senão é um grande desafio para a educação em todos os níveis. Também podemos citar a inteligência moral e ética, que é aquela que capacita o ser humano a escolher o melhor em cada uma das situações. Portanto, a escola pode organizar estratégias para trabalhar cada uma dessas inteligências, simplesmente porque existem crianças que parecem ser mais aptas para uma inteligência do que para outra. Pensemos, por exemplo, num músico. Ninguém duvida que ele seja uma pessoa muito inteligente, mas não sabemos se ele é um bom matemático, nem se ele é um grande linguista. Mesmo assim, pode-se extrair o máximo dessa inteligência. Não sabemos, por exemplo, se Einstein era uma pessoa com inteligência musical muito alta. Ele gostava de música, mas não sabíamos isso. A escola, portanto, deveria ensinar a utilizar todas as inteligências. Isso tudo tem relação com a educação integral do ser humano, aquela educação que procura fazer com que a pessoa desenvolva todas as suas capacidades, que saiba fazer de tudo e não tenha, ao final da vida, lacunas. Assim, podemos sair das inteligências múltiplas para o que chamamos de competências – o saber fazer. “Eu tenho essa qualidade, mas o que eu faço com ela?” E aí vem o trabalho da educação e da aprendizagem.
Gestão Educacional: Como a escola e a família podem ajudar no desenvolvimento das inteligências múltiplas?
Martin: Creio que de várias maneiras. Os pais, quando são atentos, observadores de seus filhos, sabem que eles possuem certas qualidades. Os pais não têm a formação necessária para falar em termos técnicos, mas podem dizer “meu filho/minha filha tem essas qualidades”. Eles têm que fazer isso para aumentar a autoestima das crianças e têm que comentar com os professores. Os educadores também devem estar muito atentos, já com os alunos pequenos, [para saber] em que as crianças se destacam ou não. Por exemplo, se alguma inteligência parte de um nível mais baixo, tem que potencializá-la, e as inteligências nas quais a criança se destaca têm que ser elevadas ao máximo. Nesse sentido, a escola e a família devem caminhar de mãos dadas. A família pode trabalhar com as inteligências no sentido de alimentar gostos. Por exemplo, se uma criança tem grande habilidade para a dança, por que proibi-lo de ir a uma escola de dança? Não é justo, pois ele pode se tornar um grande dançarino ou, ao menos, podemos incentivar o seu hobby. Se ele também demonstra grande habilidade para a música, vamos incentivá-lo a estudar música ao mesmo tempo. Se manifesta talento para outro tipo de inteligência, vamos procurar estimulá-lo. A família, por meio do cultivo de gostos, do apoio, da valorização do que a criança faz (elevando a autoestima), pode incrementar tudo isso. E a escola também. Todo o currículo do colégio pode estar organizado em torno das múltiplas inteligências. Há um centro em Barcelona (Espanha), o qual mantenho contato, o Colégio Montserrat (cuja diretora, a Irmã Montserrat Del Pozo, foi entrevistada na edição de março de 2012 da Gestão Educacional), que trabalha com as crianças, desde muito pequenas, com as inteligências múltiplas: elas vão participando de oficinas de pintura, de música, de línguas e vão caminhando de maneira muito espontânea, lúdica, íntegra, o que está gerando frutos muito interessantes.
Gestão Educacional: Quais tipos de problemas podem surgir caso o desenvolvimento de alguma faceta emocional ou cognitiva tenha sido defeituoso?
Martin: Cada inteligência tem suas características e também pode ter seus problemas. Por exemplo, algum sujeito pode ter uma deficiência; o indivíduo pode ter uma inteligência limite ou abaixo do limite. Mesmo assim, podemos trabalhar essa inteligência. Eu conheço um menino com a Síndrome de Down que acaba de escrever um livro que será publicado na coleção Psicologia e Educação, a qual eu coordeno. Esse rapaz foi capaz de seguir carreira no magistério, é professor e um raio de esperança. Há 40 anos, isso não seria possível. Além disso, os pais foram atrás de especialistas, de professores bem preparados e estes ajudaram para que essa dificuldade inicial fosse superada. Fui encontrando várias pessoas que tinham dificuldades de aprendizagem. Mesmo assim, eram muito bons em esportes ou música e o colégio potencializou essas habilidades, o que os ajudou a ter êxito em outras áreas. Da mesma maneira que o fracasso atrai o fracasso, o sucesso atrai o sucesso, e isso é muito importante. Por isso, como são várias as inteligências, pode-se ajudar uma com base na outra. Pensemos, por exemplo, na belíssima obra que está fazendo o Sistema de Orquestras Juvenis e Infantis da Venezuela. São crianças que, por intermédio do estudo da música, têm desenvolvido suas inteligências e personalidades e estão dando frutos extraordinários. Outras vezes, podemos encontrar meninos que tinham dificuldades emocionais e, novamente, por meio da música, puderam encontrar uma forma de se unir. Uma experiência muito interessante também é a orquestra de Daniel Barenboim, um músico argentino de nacionalidade espanhola que trabalha com músicos palestinos e israelitas [dois povos que vivem em conflito]. Dessa forma, um menino israelita pode saber que um palestino que toca um instrumento igual ao seu na mesma orquestra pode ser seu amigo. Eles podem estabelecer relação fraternal, desenvolvendo inteligências social e emocional e superar dificuldades que poderiam ter em suas casas em torno dessa inteligência. Eu colaboro também com alguns jovens que têm problemas de visão e como podem trabalhar suas inteligências para superar esse obstáculo. Por exemplo, as novas tecnologias permitem que um texto escrito em braile possa ser lido de maneira absolutamente convencional. Inclusive tenho um familiar que é surdo-cego e é incrível o que está sendo feito, apesar disso [sua deficiência]. O importante é não se render, não ser uma pessoa que se vê abaixo dessa dificuldade e, para isso, o apoio da família é absolutamente fundamental; que um pai, uma mãe ou um professor olhe nos olhos da criança e diga: “eu acredito em você”.
Gestão Educacional: Como a escola pode aprofundar o debate sobre a saúde mental e promover a capacitação de professores?
Martin: Com educação, podemos lançar mensagens de que a saúde é um conceito global: se não me sinto bem emocionalmente, não me sinto bem fisicamente e vice-versa. A partir disso, podemos promover e insistir nesse conceito global de saúde. Ensinar a comer bem desde pequenos leva a uma vida saudável, assim como também cuidar do meio ambiente é saúde, é vida para as pessoas. Eu vi iniciativas muito interessantes aqui em Curitiba nesse sentido de sustentabilidade e de respeito ao meio ambiente. Isso tem a ver com a saúde das pessoas. Hoje, além disso, a expectativa de vida está cada vez mais alta. Uma pessoa jovem pode chegar a uma idade mais avançada do que eu, mas o importante é chegar lá de maneira saudável. Eu, por exemplo, trabalho com idosos, fazendo com que todas as suas capacidades – cognitivas, sociais e emocionais – funcionem bem, pois isso lhes dá vida. Isso é o conceito de saúde global no qual creio. A educação é um desafio para todos e a saúde também.
Gestão Educacional: Como ensinar as crianças a utilizarem as novas tecnologias de maneira saudável e efetiva?
Martin: Existem alguns mitos, como o que diz que a simples introdução das tecnologias na aula já resultaria num grande sucesso. Isso não é correto. Podemos introduzir as tecnologias na sala de aula, mas se não soubermos o que fazer, sobretudo como fazer bem, [o computador] torna-se um aparato de distração. Há muitas promessas interessantes: as novas tecnologias podem ajudar, por exemplo, as crianças que tenham altas capacidades para que desenvolvam paralelamente um programa de aperfeiçoamento e que não se entediem na sala de aula. E para as crianças que tenham capacidades menores, também pode ser uma boa oportunidade [de desenvolvimento]. As novas tecnologias aplicadas à aula, ao âmbito e ao currículo escolar, se somente servirem para reproduzir conhecimento ou para ter uma imensa biblioteca, não servem para nada. Elas têm que servir para trabalhar a engenharia do pensamento, ajudar as crianças a pensarem de outra maneira. Para isso, deve ser ensinado a elas, desde muito pequenas, estratégias de seleção, análise e síntese das informações. Em suma, a escola tem que utilizar as tecnologias de maneira correta. Não me refiro somente a conteúdos nocivos, mas sim a identificar os conteúdos corretos, pois, se não o fizer, [o equipamento] torna-se um brinquedo de distração. Outro problema é a tecnologia no âmbito familiar e lúdico. Terminei uma investigação que constatou que os adolescentes utilizam o smartphone continuamente. São adolescentes on-line o dia todo. Isso está criando problemas de vício e de uso compulsivo. Eles têm essa necessidade de ter o celular próximo, pois se não o têm, logo se assustam, o que vem promovendo nessa juventude a urgência. O adolescente quer tudo aqui, agora, neste momento, o que não é possível. O que podemos fazer? Eu creio que temos que fazer o que chamo de “resistência para utilização”. O que isso quer dizer? É saber dizer não. Se o jovem está comendo ou numa reunião, não se pode utilizar [o smartphone], mas ele começa a resistir e muitos pais não entendem, são muito brandos. Por outro lado, resistência significa adaptabilidade, ser flexível para saber quando se pode utilizar o aparelho. Também deve ter uma educação crítica, estabelecendo critérios. Não sou contra o uso, mas sim a favor de uso racional. Por exemplo, não acho que os pais devam comprar um smartphone para crianças de oito ou dez anos de idade. É uma loucura! Isso só serve para o mal. Acredito também que se deve ter regras. Não se pode utilizar o aparelho o dia inteiro. Por exemplo, sou um grande fã de futebol, mas não posso passar o dia todo jogando. Eu gostaria que pudesse, mas preciso estudar e fazer outras coisas. Portanto, é preciso ter normas: um tempo para estudar, um tempo para brincar, para ler e também para nos comunicar. Em suma, tanto a família como a escola devem ensinar os pequenos a usarem tudo isso crítica e racionalmente. E, para isso, tem que haver a assistência dos pais. Os pais devem conhecer bem o que são as tecnologias, mas muitos pais não fazem nem ideia. Eles devem ter cumplicidade com os filhos, jogar com eles e comunicarem-se com eles. Os colégios também podem ajudar por meio de conferências e de reunião com os pais para sanar dúvidas. É inadmissível as crianças perderem coisas importantes da vida por conta das novas tecnologias. Existe aí um novo aspecto que não deve destruir os aspectos convencionais de comunicação. As tecnologias são aparatos. Cabe a nós humanizá-las.
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